domingo, 1 de janeiro de 2017.

A história não deixa sombra de dúvidas a respeito do apostolado educacional católico. Este apostolado deita raízes no envio do próprio Ressuscitado aos apóstolos: “Ide e ensinai” (Mt 28,19). E encontra o alto grau de sua responsabilidade no que o próprio Nosso Senhor já tinha dito aos discípulos: “O que fizestes a um dos meus pequeninos, foi a mim que o fizestes (Mt 25,40).

Jesus é chamado o grande Mestre (São Clemente, Paedagogus) na Igreja Primitiva, que entende que a paidéia grega só se realiza plenamente com Ele. E, de fato, Ele ensina a verdade, aliás, Ele é a Verdade (cf Jo 14,6). E também no modo como Jesus ensina aos discípulos e as multidões está contida toda uma pedagogia ou arte de ensinar, cujo lugar iminente ocupam as parábolas tiradas do quotidiano do povo.

A Igreja sempre teve ao coração a sublime obra educadora , desde Santo Agostinho e os Padres da Igreja a São Tomás de Aquino e os escolásticos . Desde os mosteiros que já no alvorecer do monaquismo tanto Oriental com São Basílio , quanto Ocidental com São Martinho e, sucessivamente, com São Bento – que faz a grande síntese da vida monacal, inclusa a experiência pedagógica que fazia parte da vida dos monges – até as posteriores escolas episcopais e paroquiais e aquelas palacianas , das quais umas ganharão impulso por sucessivos concílios regionais e até mesmo plenários , outras pelos monarcas e príncipes entre os quais merece efusivo destaque Carlos Magno e sua reforma educacional . Destas duas últimas descenderão as universidades medievais . Mostrando assim a inegável contribuição da Igreja tanto pela sua pedagogia própria quanto, por através desta, o sustento da Civilização Ocidental.

Sim, a Igreja teve papel fundamental no soerguimento da civilização tanto em razão da ruína do Império Romano quanto da invasão das tribos bárbaras da Europa que não só ameaçavam o processo de evangelização já expandido por todo mundo conhecido até então, mas também o próprio patrimônio cultural da antiguidade clássica. Destaque, em termos de educação, merecem os monges, que não só tornaram-se os sucessores dos mártires pela vida oferecida não mais através do derramamento de sangue mas pela oração, trabalho e penitência; mas pela salvaguarda tanto da cultura cristã ricamente florescente, de modo especial pela Sagrada Escritura através dos copistas e inclusos de elementos da cultura clássica greco-romana, constantemente ameaçados de perder-se tanto em razão do tempo quanto de sucessivas incursões e guerras. Este processo durará cerca de mil anos: é o plasmar-se da cultura ocidental e Europeia da qual somos herdeiros.

No século XV quando o Iluminismo e a Revolução Protestante levantaram-se rejeitando tudo quanto fora consolidado nos séculos anteriores, grandes santos surgiram de modo a salvaguardar como verdadeiros baluartes a cristandade abalada pelas turbulências. Dentre estes grandiosos santos educadores surgem Santo Inácio de Loyola e São José de Calazans, ambos levam a termo a Reforma Católica oriunda do célebre Concílio de Trento, de modo especial através da educação da juventude. São José de Calasanz merecerá o nome de pai da pedagogia pós-tridentina . E de Santo Inácio de Loyola dirá a educação jesuíta que perdurará durante séculos não só na Europa frente ao avanço protestante, mas também nas jovens colônias americanas a serem evangelizadas .

Pouco mais adiante aparecerá São João Batista de La Salle, preocupado com a educação das novas gerações e um passo a mais, com a formação daqueles que haveriam de educar as novas gerações, os professores . Receberá o título de patrono dos professores . Sucessivamente o grande São João Bosco, educador da juventude, que dos oratórios que serão grandes centros educacionais, salvará uma inteira geração e posteridade através da pedagogia preventiva salesiana .

É na primeira metade do século XIX que aparecerá em Paris um jovem polonês cheio de nobres ideais sociais em seu coração, mas desencontrado pelos caminhos da vida, chamado Deodato Janski . Não só de ideais, mas de um intelecto e uma ação imbuídos de esforço de reação diante da realidade em que se encontrava: uma juventude decadente em razão do exílio e de sucessivas convulsões políticas e ideológicas. Em sua juventude atropelado por esse turbilhão, afastado da pátria e das raízes cristãs de sua infância, vê-se arrastado pelas mesmas ideologias, e mesmo que ainda imbuído daqueles ideais de algo fazer diante de tudo, acaba-se por deixar-se levar por uma vida dissoluta tanto do ponto de vista moral quanto intelectual, quando se abeirará não só de correntes filosóficas ateístas quanto inclusive de seitas religiosas.

E só após tanta busca e desencontros se dá conta de que o que tanto procurara estava sempre diante de si, isto é, na Igreja Católica. Inicia assim um percurso de conversão, vida sacramental, penitência e aprofundamento na doutrina católica.

E daí consegue entrever aquela que será a espiritualidade ressurreicionista: de contínuo morrer para o pecado e ressurgir para uma vida nova, sempre com a força do encontro com o Ressuscitado. E não só, mas a seiva de todo um sistema pedagógico e um estilo de vida propriamente cristã, que em poucas palavras pode ser expresso assim: para renovar a sociedade é preciso que o homem seja renovando desde dentro e isto só será possível com pleno êxito e eficácia a partir da Igreja, da doutrina católica e também da ação dos sacramentos, enfim, da presença da Religião não só como elemento agregado, mas como condição essencial para atuação da verdadeira educação .

Nesse sentido podemos dizer que a pedagogia que brota do carisma ressurreicionista traz consigo seja a perenidade da educação católica, quanto a atualidade daquilo que desejou o Concílio Vaticano II e a sua necessidade para os dias de hoje . Perenidade pois não trata-se apenas de transmissão de conteúdo ou formação de valores humanos, mas elevação das mesmas faculdades humanas, principalmente a inteligência, através da experiência de Deus, o que caracteriza a verdadeira sabedoria. Atualidade porque assim definiu o Concílio Vaticano II acerca do que é a educação católica e o seu verdadeiro contributo para os tempos atuais: “O Sagrado Concílio exorta vivamente os jovens a que, conscientes da importância do múnus educativo, estejam preparados para o receberem os com ânimo generoso, sobretudo naquelas regiões em que, por falta de professores, a educação da juventude está em perigo. O mesmo sagrado Concílio, enquanto se confessa muito grato aos sacerdotes, religiosos, religiosas e leigos que se ocupam com dedicação evangélica na obra excelente da educação e do ensino de qualquer espécie e grau, exorta-os a que perseverem generosamente no trabalho começado e a que de tal modo se esforcem por sobressair em encher os alunos do espírito de Cristo, na arte pedagógica e no estudo das ciências que não só promovam a renovação interna da Igreja mas também conservem e aumentem a sua presença benéfica no mundo hodierno, sobretudo no intelectual” (GE 12).

Conclusão

Não nos resta dúvida que a crise do homem atual seja uma crise de alma. E determinados modelos, ditos pedagógicos, ao banir ou relegar para segundo plano a dimensão religiosa na educação, não só como elemento agregador, mas de síntese, ficam aquém das necessidades e aspirações humanas. Já sinalizava este desastre há quase dois séculos Mons. De Ségur no livro A Escola sem Deus (Paris, 1884). E hoje nós o vemos a olhos nus. E não só em termos de transmissão de valores genuinamente humanos e assim o plasmar de uma verdadeira cultura, mas igualmente no quesito formação intelectual. Poderiam ser elencados inúmeros sintomas (baixíssimo aproveitamento escolar, sistema educacional aparelhado por ideologias, evasão escolar, analfabetismo funcional, escolas sucateadas, etc) e uma cadeia de possíveis responsáveis ou agentes (a família, a escola, o Estado, os meios de comunicação, os professores, os próprios alunos, etc).

A educação católica sempre deu resposta no decorrer dos séculos às diversas crises e convulsões da humanidade. E mesmo perseguida e duramente atacada, tanto pela história afora quanto nos dias atuais, permaneceu sempre robusta, e ainda mais enriquecida pelo tempo, pelos ataques, pelos progressos e continua sendo aquela a dizer para todos que possui – e, de fato, possui – a resposta que o homem procura desde sempre . Inúmeros homens, no decorrer dos séculos, concordam com essa afirmação e a corroboram pela própria vida, desde São Paulo Apóstolo, passando por Santo Agostinho e o jovem Deodato Janski do qual falávamos a pouco. E podemos citar inclusive alguns filósofos, escritores, cientistas, convertidos a fé cristã mais recentemente como F. Collins, F. Dostoiévski, T. Goritcheva, C. S. Lewis, A, Frossard, V. Messori, E. Stein – esta última será elevada aos altares .

Para fomentar ainda mais a reflexão poderíamos nos perguntar: Quais os contributos da educação católica no decorrer dos séculos? Que tipo de homens saíram dessas escolas e, a partir do que a Igreja ensina e defende, ofereceram ao mundo? E hoje, o que a Igreja sustenta mundo afora em termos e educação? O que poderíamos esperar de uma nação que em cada paróquia ou em cada cidade pelo menos tivesse uma escola genuinamente católica?

Referências

  1. Concepção clássica da educação anterior a Encarnação de Nosso Senhor Jesus Cristo.
  2. Tanto o Antigo quanto o Novo Testamento, cada qual conforme lhe é próprio, apresentam elementos educacionais.
  3. Comprova isto a História e recentemente vários documentos da Igreja anteriores e posteriores ao CONCÍLIO VATICANO II. Do Concílio citamos a Declaração Gravissimum Educationis (GE). Roma,1965.
  4. CAMBI, F. História da Educação. São Paulo: Quadrante, 2014. p. 505-511.
  5. Ibid. p. 482-484.
  6. Ibid. p. 130-133; 275-280. WOODS JR, T. Como a Igreja Católica construiu a Civilização Ocidental. São Paulo: Quadrante, 2008. p. 25-45.
  7. CAMBI. p. 158-160.
  8. CONCÍLIO LATERANENSE IV. De Schola Doctoris, Roma, 1215; CONCÍLIO ROMANO. De Schola Iuris Pontificii. Roma, 816; CONCILIO DE TRENTO. De Cathechesi et Praedicationi. Roma, 1563.
  9. ROPS, D. A História da Igreja de Cristo. Vol II. São Paulo: Quadrante, 2018. p. 426-427.
  10. WOODS. p. 46-62.
  11. CAMBI. p. 255-263.
  12. MADRES ESCOLÁPIAS. Vida de São José de Calasanz. Itapevi: Nebli, 2007.
  13. KLEIN, L. F. (org.). Educação Jesuíta e Pedagogia Inaciana. São Paulo: Loyola, 2015; SCHIMITZ, E. Os Jesuítas e a Educação. São Paulo: Loyola, 1994.
  14. GONZALEZ, P.C.. Perfil do Educador Cristão segundo La Salle. Canoas: La Salle, 1997.
  15. JUSTO, H. La Salle Patrono do Magistério. Canoas: La Salle, 1991.
  16. VV.AA. A Pedagogia de Dom Bosco em seus escritos. Ed. Salesianas, 2005; VV. AA. Il Sistema Educativo di Don Bosco. LDC-Torino, 1974.
  17. MICEWSKI, B. A Incrível história de Bogdan Janski. Palavra e Prece, 2016.
  18. MUSTAL, L. Il problema dela pedagogia CR. Archivium CR Romae.
  19. CONGREGAÇÃO DA RESSURREIÇÃO. Constituições. Art. 200-209.
  20. E mais recentemente declararia o Papa Paulo VI: “A ausência da Escola Católica constituiria uma perda imensa para a civilização, para o homem e para seus destinos naturais e sobrenaturais”. Apud. EC 15. SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A EDUCAÇÃO CATÓLICA. A Escola Católica. Roma, 1977.
  21. Cf. CONCÍLIO VATICANO II. Dei Verbum. 3-4. Roma, 1965.
  22. AYLLÓN. J. R. 9 Ateus mudam de ônibus. São Paulo: Quadrante, 2013. O livro traz uma breve narrativa do processo de conversão de cada um.
Images by jcomp, mindandi, wirestock in freepik.com