terça-feira, 1 de setembro de 2020.

O naturalismo pedagógico sedimentou caminho rumo a escola sem Deus . Trata-se nada mais do que de um “individualismo exagerado” e que possui “um ânimo ferozmente hostil ao catolicismo” . Esse ânimo ferozmente hostil se dá não só pelas raízes calvinistas e revolucionárias de Rousseau , mas por opor-se veementemente ao Antigo Regime que foi plasmado pela cultura católica.

Destarte às considerações feitas ao inspirador das chamadas pedagogias modernas ou novas, consideremos, ainda que brevemente, a natureza da verdadeira educação e o quanto o naturalismo pedagógico e tudo quanto dele deriva contém erros e se torna um desastre para a própria sociedade .

A educação não pode prescindir de uma correta e plena concepção acerca da natureza e condição humana. Primeiramente, deve partir da consideração do homem em si mesmo, constituído de natureza composta de corpo e alma; deve, portanto, compreender inclusive as diversas faculdades interiores, sem confundi-las com o organismo físico, e tampouco negá-lo, de modo a poder intervir pedagogicamente de modo adequado.

O ser humano é criado perfeito, mas é um ser perfectível , isto é, necessita de ser formado para alcançar seu fim. Com essa consideração faz-se ver nitidamente o caráter também social da educação, começando pelo papel fundamental da família e da Igreja , mas também do mestre e da escola, bem como do contato com o patrimônio literário e cultural deixado pelas gerações passadas .

Todavia, esse mesmo ser humano a ser educado, deve ser considerado na condição em que se encontra, isto é, de queda , mas também de redenção . Todo que se põe a trabalhar pela educação tão logo se dará conta de que “a educação de um menino é a triste revelação da decadência da humanidade” , pois este é inclinado para o mal e necessitado de ser formado no caminho da virtude. A Religião tem, portanto, um papel lapidar, considerados estas realidades, especialmente a de queda, pois se torna um princípio poderoso para a educação “dirigir uma natureza rebelde, combater inclinações ingratas, impor deveres difíceis e inspirar formosas virtudes nascentes . Tudo isso com o apoio da divina graça. Ora, é tudo que desconsidera a escola sem Deus.

O título desse artigo parte da obra de mesmo nome , cujo autor Mons. de Ségur (Paris 1820-1871), embora tenha perdido por causa de uma doença a visão, todavia enxergou com profundidade o drama de banir a Religião da escola e suas consequências terríveis. A escola sem Deus é produto a crítica iluminista e revolucionária e sua ampla difusão, especialmente através dos clubes e da imprensa , particularmente entre a elite francesa, décadas antes do estouro da Revolução de 1789. Mons. de Segur escreve no ano de 1873, quase cem anos depois, certamente, já enxergando os resultados da catástrofe.

A revolução precedente eclodira com o brado protestante: “Cristo, sim! Igreja, não!” e sedimentava a estrada para a próxima convulsão . Ora, o que foi o brado da revolução sucessiva, senão, “Deus sim! Cristo não!” A “religião” oriunda da revolução francesa não é outra coisa senão uma religião natural e racionalista, ou seja, nega a possibilidade da Revelação Divina e, claro o Divino Revelador, Jesus Cristo e, por consequência nega que a Igreja seja depositária dessa mesma revelação. Logo, segundo essa concepção errônea, de que serve a educação religiosa? Mas, às pessoas, mesmo as mais simples, tal pergunta causaria horror assim à queima-roupas. Era necessário um linguajar mais sutil e que pudesse ser “engolido” lenta e suavemente . Fala-se assim da escola leiga, obrigatória e gratuita.

Começou-se por advogar uma escola neutra em matéria de instrução religiosa. Ora, essa escola não existe, pois nessa matéria não há neutralidade. Tão logo a escola neutra tornar-se ia indiferente à religião e, sucessivamente, adversa a mesma . Mons. de Segur começa por constatar o tempo que as crianças passam na escola sem qualquer referência à religião, o que, de per si, já introjeta na cabecinha delas que a religião seja algo secundário e de menor importância, erro que vão acabar levando pela vida afora. E lembra que a formação nas verdades da fé demanda tempo e, inclusive o trabalho intelectual. Mas, como realizar tal instrução em uma hora de catecismo durante toda a semana? E, acrescentemos, mandando a Igreja para casa, quem ou o que assumirá o seu lugar na escola? Além disso, aquela “única” hora ainda pode competir com o descanso e o lazer da criança, se, por exemplo, a missa e a catequese acontecem no fim de semana, no domingo pela manhã. Se não há uma intervenção correta da família, a instrução e a vida religiosa além de um apêndice podem se passar até mesmo por um estorvo.

A escola leiga corrobora com tudo isso e muito mais. Antes, uma distinção deve ser feita: a palavra ‘leigo’ quer dizer ‘o que não é sacerdote’, de modo que uma mãe e um pai de família profundamente católicos são leigos. Porém, o uso ‘escola leiga’ não serve para outra coisa se não para negar a religião e, por consequência, a aversão ao que é próprio da religião. Mons. de Segur faz recordar que em 1789 dava-se a separação entre Igreja e Estado, e, dois anos após, a supressão da Igreja pelo Estado – qualquer livro idôneo de História apresenta esse fato.

A Religião, por sua vez, garante a felicidade neste mundo e no outro através de seus ensinamentos infalíveis. E isso gera uma série de efeitos formidáveis: inspira obediência e respeito, forma inteligência e coração e vela sobre a instrução, conforme o espírito cristão . A Religião ensina a conhecer o verdadeiro bem, a amá-lo e praticá-lo. Ensina satisfatoriamente o que somos, porque existimos e para onde vamos. Tudo isso é negado a princípio e depois combatido por detrás da concepção da “escola leiga” . Portanto, a escola leiga é a escola não cristã, sem religião e sem Deus.

Por detrás dos termos ‘obrigatória’ e ‘gratuita’ está, portanto, a conspiração em impor a escola sem Deus, isto é, que intenta construir um tipo de homem e de sociedade sem a Igreja, é a educação revolucionária na sua essência . Os posteriores sistemas filosóficos e políticos vão fazer uso instrumentalizado da educação para alcançarem seus objetivos particulares. Diz Mons. de Segur: “Com suas grandes palavras de liberdade, de progresso, das luzes etc. os incrédulos são tiranos e verdadeiros déspotas” . Fere-se a liberdade religiosa e o que se pretenderá inculcar não será a ciência e a instrução, mas ímpias doutrinas.

A alegação da ‘escola gratuita’ é a cereja do bolo! Uma falácia! Pois é paga pelo Estado, que por sua vez é sustentado pelos contribuintes, inclusive pelos católicos . Assim sendo, os católicos acabam por contribuir para que os próprios filhos sejam “educados” sem Deus e, por vezes, como é comum se ver em nossos dias com frequência cada vez maior, se formem jovens inimigos da Religião. Ora, por detrás da escola “leiga, obrigatória e gratuita” esconde-se uma armadilha à liberdade dos pais e da Igreja em educar seus filhos.

E notem a tragédia! O objetivo da educação católica não é outro se não formar cristãos, homens de bem e bons cidadãos. A escola sem Deus é um instrumento pronto para formar incrédulos e revolucionários. Deixemos a palavra a Mons. de Ségur: A escola sem Deus, “com abomináveis doutrinas, as quais penetrando pouco a pouco no espírito, fazem-no incrédulo, ímpio e rebelde; e chegando até o coração, lhe inspiram o gosto pelo mal, o ódio a Deus, o hábito do vício” .

Essa é a escola concebida e montada a partir do naturalismo pedagógico e, sucessivamente, da ingerência absoluta do Estado em matéria educativa, que é danosa, principalmente por tirar aos pais o desejo de educar os filhos na Religião e dos filhos, o direito de serem educados com base na finalidade última da vida sobre a terra que é alcançar a vida eterna.

Ora, escola sem Deus é uma escola, antes de tudo, sem Religião o que faz dela uma instituição sem fundamento profundo e perene, a mercê dos ventos das ideologias; sem uma causa verdadeiramente última; sem governo firme e estável; e, o que é pior, sem a graça, isto é, sem o auxílio sobrenatural, indispensável para a formação do homem novo e da sociedade nova. Pobres alunos, pobres pais, pobres professores, pobre sociedade.

A falta de um fundamento profundo e perene refere-se a verdade que, por excelência coincide com o próprio Deus. Não é outro se não o objetivo da educação católica se não dar a verdade como alimento ao espírito da criança . A escola sem Deus fica à mercê de ideias e opiniões mirabolantes e às vezes contraditórias entre si e a verdade do educando e da educação. Vence quem tem o melhor palavreado ou grita mais forte, ou ainda que tem o poder de mando.

É a causa final que norteia o projeto pedagógico. E a própria concepção de causa final já diz que o homem foi criado com essa finalidade, disposição e desejo. Mas como necessita ser ajudado, principalmente nos anos iniciais, os objetivos da escola devem ir de encontro às mais profundas aspirações do homem. A escola sem Deus tolhe esta perspectiva sobrenatural e eterna.

Abaixados os horizontes pedagógicos , é só questão de tempo, até se comprovar que a escola se torna uma instituição sem governo firme e estável, porque trocam-se os Mandamentos Divinos, fundamentos da autêntica moral, por uma espécie de moral racional e por isso relativa. O ideal educativo será também afetado: será, no melhor dos casos, meramente científico e não filosófico ou espiritual; técnico-profissional com fins ao trabalho e a aquisição de uma profissão; e, no pior, ideológico, isto é, mera doutrinação político-partidária.

A pior consequência, porém, está no fato de ser uma educação desprovida da ação da graça. Pois o educando a ser instruído nas letras e nas ciências e educado nas virtudes e na sabedoria, encontra-se em condição de queda, inclinado para o mal, e não poderá erguer-se verdadeiramente sem o auxílio da graça divina. Há um duplo campo de ação para a escola: atualizar as potências da natureza, mas também elevá-las. E disso a escola sem Deus não é capaz tanto por ignorância da matéria quanto por incompetência, por tratar-se de um campo em que necessita incondicionalmente da contribuição da Igreja .

Referências

  1. Ver “Falsidades e danos do naturalismo pedagógico” em PIO XI. Divini Illius Magistri. Roma, 1929.
  2. DE SEGUR. A Escola sem Deus. São Paulo: Volta e Meia, 2018. Apêndice II. p. 66.
  3. Ibid. p. 67.
  4. Ver Livro III. Capítulo II: A Igreja, a Reforma e a Cultura Intelectual em FRANCA, Pe. Leonel. A Igreja, a Reforma e a Civilização. Campinas: Calvariae Editorial, 2018. Dá um bom panorama da ascendência teórica do pai da pedagogia moderna. É claro que ao naturalismo pedagógico atrela-se a doutrina liberal, que também essa versada sobre a escola, advogará o laicismo ou a chamada escola leiga.
  5. “Os alicerces mais antigos e mais fundos eram obra da Igreja, que, durante doze séculos, tinha trabalhado ali sozinha ou quase só” GAXOTE, Pierre. A Revolução Francesa. Porto: Tavares Martins, 1945. p. 7.
  6. Um caos doutrinário em que se agitam extravagâncias. CARDIM, Maria Ignez. Filosofia da Educação de São Tomás de Aquino. São Paulo: Odeon, 1935. p. 38. SIQUEIRA, Antônio Alves de. Filosofia da Educação. Petrópolis: Vozes, 1948. p. 49-56; 347s. REDDEN, John D. RYAN, Francis A. Filosofia da Educação. Rio de Janeiro: Agir, 1973. p. 357-373.
  7. LEÃO XIII. Aeterni Patris. Roma, 1879. Sobre a educação religiosa, alertava sobre os graves danos dos erros filosóficos: “Se o intelecto peca em qualquer coisa, facilmente falirá também a vontade; assim acontece que as opiniões errôneas, que tem sede no intelecto, influenciem nas ações humanas pervertendo-as. Ao contrário, se a mente dos homens será sã e apoiada sobre sólidos e verdadeiros princípios, então frutificará em larga soma de benefícios públicos e privados”.
  8. É célebre a analogia de SANTO TOMÁS DE AQUINO no seu De Magistro acerca dessa mútua relação ao dizer que “o médico na cura é o coadjutor da natureza” (a. 1. Solução). Em outras palavras: “A função do professor é como a do médico. Pode esse último tratar a ferida, mas a natureza há de curá-la” (CARDIM. op. cit. p. 14).
  9. Cf CONCÍLIO VATICANO II. Declaração Gravissimum Educationis, 1965. Art. 3.
  10. Cf Ibid. Art. 5.
  11. “Em consequência do pecado original, o homem tem um intelecto reduzido para perceber a verdade, e uma vontade também limitada para procurar o bem, e a sua natureza mais inclinada para o mal. O pecado original não afetou a natureza da inteligência e vontade humanas, mas privou-as de especiais e poderosos recursos” (REDDEN et RYAN. op. cit. p. 15).
  12. “A doutrina sobre o pecado original – ligada à doutrina da Redenção por meio de Cristo – propicia um olhar de discernimento lúcido sobre a situação do homem e de sua situação no mundo”. CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. São Paulo: Loyola, 2000. p. 114-116; CIC 402-409. Assim, PIO XI (op. cit.) começa, na segunda parte, por tratar o sujeito da educação sob o título “todo homem decaído, mas redimido”.
  13. De SEGUR. op. cit. p. 70.
  14. Ibid. p. 71.
  15. Aux pères et mères. L’École sans Dieu (1873).
  16. GAXOTE. op. cit. pp. 38-78.
  17. Remetemos à leitura do artigo de MARQUES, Daniel. Do protestantismo ao ateísmo e relativismo contemporâneo. ZENIT, 2012. Disponível em acessado em 28 de setembro de 2020.
  18. Cf CORRÊA DE OLIVEIRA, Plínio. Revolução e Contra-Revolução. São Paulo: IPCO, 2009. p. 22-25.
  19. Cada vez mais conscientes dessa estratégia, os agentes da nova ordem mundial, que entendem não mais apenas uma escola sem Deus, mas a sociedade e o homem sem Deus, se utilizam da “colonização ideológica” e “batalha semântica”, inclusive ao interno da Igreja, e denunciada amplamente por SANAHUJA, Mons. Juan Claudio. Poder Global e Religião Universal: “Mudar o significado das palavras é uma artimanha para que a reengenharia social seja aceita por todos sem protestos”. (Campinas: Ecclesiae, 2012. p. 27.38). Aconselha-se recorrer às vozes “Manipulação da linguagem” e “Manipulação verbal” no Lexikón do Pontifício Conselho para a Família.
  20. “Daqui resulta precisamente que a escola chamada neutra ou laica, donde é excluída a religião, é contrária aos princípios fundamentais da educação. De resto uma tal escola é praticamente impossível, porque de fato torna-se irreligiosa. Não ocorre repetir aqui quanto acerca deste assunto disseram os Nossos Predecessores, nomeadamente Pio IX e Leão XIII, em cujos tempos começou particularmente a dominar o laicismo na escola pública. Nós renovamos e confirmamos as suas declarações” (Pio XI. op.cit.). Com a larga difusão das escolas não católicas, o Concílio Vaticano II reiterou o direito e o dever dos pais e da Igreja em educar cristãmente seus filhos, assim como o dever do Estado de não impedí-lo ((VATICANO II. op. cit., Art. 7).
  21. De Segur. op. cit. p. 7-9.
  22. Ibid. p. 12.
  23. Há uma importante distinção entre laicismo e laicidade. A laicidade trata da distinção entre o que é de ordem política e o que é de ordem religiosa em suas devidas competências, no respeito, reconhecimento e colaboração mútua. Essa separação não se faz na consciência do cristão leigo que é sempre o mesmo, trata-se do dever moral de coerência. O laicismo é intolerante, hostiliza qualquer forma de relevância política e cultural da fé e procura desqualificar o empenho social e político dos cristãos, com uma série de consequências, algumas das quais procuramos elencar do pondo de vista da educação. A presente distinção encontra-se no COMPÊNDIO DA DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA (DSI), Art. 571-572.
  24. Note-se que o CONCÍLIO VATICANO II, op. cit., reconhece o direito universal à educação, que deve corresponder ao seu fim último, e embora reconheça o progresso das ciências relativas à educação, reafirma o dever dos fiéis e dos pastores de disporem às jovens gerações a educação cristã de modo que alcancem esse fim (Art. 1-2).
  25. De Segur. op. cit. p. 33.
  26. Ibid. p. 34. Já temos um artigo que tratou sobre esse assunto: “Existe educação gratuita?” na Revista do primeiro trimestre de 2019. E vimos que alguém sempre paga pela educação, no caso da escola católica inclusive, pagam os pais e quando não os fiéis.
  27. Ibid. p. 42.
  28. Ibid. p. 19.
  29. Pio XI, op. cit., já em 1929 lamentava tal rebaixamento a começar pelas próprias famílias: “Queremos, porém, chamar dum modo especial a vossa atenção, Veneráveis Irmãos e amados Filhos, sobre a lastimável decadência hodierna da educação familiar. Para os ofícios e profissões da vida temporal e terrena, com certeza de menor importância, fazem-se longos estudos e uma cuidadosa preparação, quando, para o ofício e dever fundamental da educação dos filhos, estão hoje pouco ou nada preparados muitos pais demasiadamente absorvidos pelos cuidados temporais”.
  30. “Por fim, a Igreja está plenamente convencida de que a Escola Católica, ao oferecer o seu projeto educativo aos homens do nosso tempo, atua uma sua função eclesial, insubstituível e urgente. Na Escola Católica, com efeito, a Igreja participa no diálogo cultural com uma sua contribuição original e propulsora do verdadeiro progresso na formação integral do homem. A ausência da Escola Católica constituiria uma perda imensa para a civilização, para o homem e para os seus destinos naturais e sobrenaturais” (SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A EDUCAÇÃO CATÓLICA. A Escola Católica. Roma, 1977. Art. 14).
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