quarta-feira, 1 de abril de 2020.

A educação na Sagrada Escritura constitui um verdadeiro mandamento, muito claro na Antiga Aliança: “Ensinareis aos vossos filhos” (Dt 6,7;11,19); e reiterado, aprofundado e alargado por Nosso Senhor: “Ide, pois, e ensinai todas as nações” (Mt 28,19a). Este imperativo, no momento da Ascensão ao Céus diante dos apóstolos, corresponde ao Testamento do Ressuscitado.

Se toda a História da Salvação é a manifestação da Pedagogia Divina para com os homens, tal pedagogia assume o ápice na Encarnação do Verbo. Todo Mistério da Encarnação é traspassado do ensino: na casinha de Nazaré onde o Menino Jesus era enraizado na família humana através dos ensinamentos de Nossa Senhora e São José, assim como os ensinava coisas relativas aos mistérios divinos (cf Lc 2,40); no Templo entre os doutores o Menino Jesus se faz docente dos mestres de Israel (Lc 2,46). Durante o Ministério Público a atividade docente de Jesus se manifestará e fará ver com todo seu brilho: nas sinagogas (Mt 4,23; Jo 6,59), no Templo (Mt 21,23; Jo 7,14), nas festas (Jo 8,20), no campo (Lc 6,17), quotidianamente (Mt 26,25), percorrendo os povoados (Mc 6,6) e, especialmente, durante a Paixão (Jo 13,13-15).

Tudo que Jesus faz, palavras e obras, tem em si a intenção de ensinar. Ele ensina através de parábolas que servem para instruir e explicar (cf Mt 13,10-13.36; 13,51; Mc 6,33-34). Jesus ensina tirando exemplo de realidades da vida da agricultura, da pesca ou do cuidado dos animais (cf Mc 4,2). Ensina também através do exemplo de pobreza, zelo e caridade (cf Mt 8,20; Jo 2,17; 13,14ss; etc). E diz aos discípulos: “Aprendei de mim” (cf Mt 11,29).

Aceita ser chamado de Mestre (cf Jo 13,13). O profeta Oseias já havia mencionado esse título que agora é assumido definitivamente por Jesus: “Eu sou o vosso mestre” (Os 5,2). O próprio Pai o corrobora como mestre: “Escutai-O!” E a seu respeito dirão: “Ele tem feito bem todas as coisas” (Mc 7,37). Assim Jesus apresenta-se como modelo para todo educador. Antes de tudo pela autoridade (Mt 13,54; Mc 1,22.27; Lc 4,31) com que ensina e que é testificada pelo Pai, assim como constatada pelo povo.

Outra característica da docência de Jesus é a sua ciência. Ele é a luz. Mas ao mesmo tempo, sua docência sendo tão vasta, é tão humilde, isto é, acessível aos ouvintes. Depois de que o seu amor, começando pelas crianças, depois pelos ignorantes aos quais é movido por compaixão, amor manifestado aos discípulos e inclusive aos inimigos. Porque “sem amor não se ensina” . Nosso Senhor abre o caminho a ser seguido pelos educadores para que cumpram com eficácia a sua missão. Pois “as boas escolas são fruto não tanto dos bons regulamentos, como principalmente dos bons mestres” .

Tem especial predileção pelos pequeninos que são as crianças (cf Mc 10,14; Mt 18,3; Lc 17,2). Mas se move de compaixão igualmente pelos ignorantes. Talvez a mais bela imagem para representar a compaixão de Jesus seja a do Bom Pastor, imagem esta que não tardou a ser associada à do Mestre, pois diz Clemente de Alexandria: “Como o pastor está para o rebanho, o pedagogo está para as crianças” . Associação testificada pelo próprio Evangelho que diz: “Jesus viu uma numerosa multidão e teve compaixão, porque era como ovelhas sem pastor. Começou, pois, a ensinar-lhes muitas coisas” (Mc 6,34). Situações como esta fazem ecoar do Coração do Divino Mestre as palavras do profeta Oseias: “Perece meu povo por falta de doutrina!” (4,6). O que nos leva a concluir que se a dor e a fome dos pobres comovem Jesus, muito mais o comove a ignorância a que ficam relegadas as almas. Tanto que ao constatar a precariedade das mesmas almas, Jesus não se põe a fazer discursos inflamados de revolta social, mas se põe calmamente a ensinar. Assim se torna ainda mais referencial para pastores e mestres e faz entender que ambas as missões têm um pouco de cada uma.

Jesus ensina a doutrina divina (Jo 7,16; 8,28) e a fazer a vontade do Pai (Jo 7,17). E toda a sua “metodologia” era tensionada a obter esse resultado, levando em conta, evidentemente, e como já foi dito, as condições do educando. “Nós precisamos de duas coisas para aprender: primeiro, há mister sucessão e encadeamento das ideias que se interliguem em seu evolver lógico; segundo, não podemos lograr o imaterial senão através do sensível” . As parábolas são disto perfeito exemplo.

Além de ser um ensino intuitivo e todo centrado no discípulo, é também um ensino ativo. Jesus “ensejava aos ouvintes o trabalho da própria reflexão, estimulava o raciocínio e guiava a mente dos seus interlocutores” . Havia um problema e um estímulo, possível notar nas perguntas que fazia, assim como o trabalho mental e a conclusão da reflexão. Exemplo emblemático, entre tantos outros, é o da moeda do imposto (Mt 22,16-21). Importante observar que também lançava mão o recurso a autoridade: “Estudai as Escrituras, elas dão testemunho de mim (Jo 5,39).

Havia outros meios empregados pela pedagogia de Nosso Senhor . A recompensa e o castigo – a recompensa em razão do esforço e do sacrifício, próprios do verdadeiro aprendizado; o castigo, como advertência e correção dos erros – tantas vezes advertiu Jerusalém por sua rejeição, assim como discorria sobre os bens eternos preparados para os que pusessem em prática seus ensinamentos; a aplicação do ensino – quando manda fazer o que ensina, e também quando envia os discípulos em missão –; a continuidade do ensino especulativo –, quando insiste na repetição a fim de se gravar indelevelmente –; na escolha do mais importante a ser ensinado – recusava-se a entrar nas querelas propostas pela casuística dos judeus, e ensinou sobre os mistérios do Reino, ao invés de ensinar, por exemplo, as leis do universo material; na graduação do ensino – como, por exemplo, aos poucos foi falando da Paixão; e, por fim, na adaptação do “aluno” – quando ao povo fala de modo simples, mas com os mestres da lei, usa da Lei e dos Profetas, já com Nicodemos, sobre aos mais altos mistérios.

Porém, para que ocorra a plena e verdadeira educação do homem é necessária a graça interior (Jo 6,44). Por isso, traço característico da docência de Nosso Senhor é ensinar pelo próprio testemunho e através das fórmulas, a oração. Exemplo emblemático é a Oração do Pai Nosso como modelo perfeito de toda oração (cf Lc 11,1-13).

Em virtude do papel da graça na educação do homem é que Nosso Senhor promete o Espírito Santo e institui os Sacramentos. Por isso o Espírito Santo será o pedagogo (cf Gl 3,19; 4,2) e terá uma atuação direta na faculdade da memória (cf Jo 14,26; 16,13ss). Do qual o próprio Jesus prometerá a assistência aos apóstolos, especialmente em matéria de ensino. E, uma vez enviados, os apóstolos seguem na esteira de Jesus. Ensinam no templo (At 5,21), na sinagoga (13,14) e nas casas (At 5,42) – além de introduzir na vida da graça os convertidos através do Batismo. O conteúdo do ensino apostólico é o Evangelho (kerygma) – que prepara para o Batismo – e a catequese elementar (didaskalia) que explica e aprofunda os conteúdos da fé.

Há ainda duas características dignas de nota quanto a educação no Novo Testamento : primeiro, ela conserva a dimensão da correção (cf Hb 12,7s; Ap 3,19) cujos efeitos são nítidos: não mata (2Cor 6,9), poupa da condenação (1Cor 11,32) e dá alegria (Hb 12,11). A própria Escritura é fonte de instrução e correção (cf 1Cor 10,11; Tt 2,12; 2Tm 3,16). E os pais cristãos devem corrigir os filhos (cf 1Cor 4,41; At 20,31) pois colaboram com Deus, verdadeiro educador, de Quem lhes vem a autoridade (cf Ef 6,4). Segundo, a educação visa combater arduamente e desde muito cedo os erros ou heresias (cf Rm 16,17; Ef 4,14; 1Tm 1,3; 6,3; Ap 2,14s.24).

O combate aos erros destaca-se até o recente Magistério: “A Igreja, pois, confortada pelas promessas e inspirando-se na caridade do Seu Divino Autor, respondeu tão fielmente ao mandato (cf Mt 28,19), que o teve sempre em mira, o que requer sobretudo: ensinar na religião e combater sem trégua o erro” . Ambas as características da educação, correção e combate aos erros, são ressonância do que ensinou o próprio Divino Mestre quanto ao “fermento dos fariseus” – “Então, entenderam que não dissera que se guardassem do fermento do pão, mas da doutrina dos fariseus e dos saduceus” (Mt 16,2) – isto é, que se guardassem dos erros.

Em função do que vimos até aqui, a educação nas suas vertentes de instrução, correção e ação da graça, podemos compreender as palavras do Papa Paulo VI ao dizer que “a ausência da escola católica constituiria uma perda imensa para a civilização, para o homem e para os seus destinos naturais e sobrenaturais” .

A missão e a autoridade de educar foi dada a Igreja pelo seu Divino Fundador, por um mandamento, que para ser cumprido é necessário voltar-se para o seu exemplo. A Igreja é assim constituída Mãe e Mestra, regenerando filhos para Deus através do Batismo e educando-os através da Divina Doutrina bem como nutrindo seus filhos com os Sacramentos. Para esta missão, sobretudo nos dias de hoje, a Igreja, ordena o Código de Direito Canônico, utiliza-se primordialmente da pregação e da catequese, em conjunto com a educação católica, isto é, a fundação e manutenção das escolas, e, por fim, através dos meios de comunicação social . E, assim sendo, o mandato do ensino faz da educação católica um verdadeiro e autêntico apostolado .

Nosso Senhor foi perseguido e tornou-se clausula do processo iníquo da Paixão a acusação pelo seu ensinamento (cf Jo 18,19). Não há dúvida de que o “apóstolo da educação” será de certo modo associado a Paixão de Nosso Senhor, por sua ação se dar num mundo onde há obstinação no pecado, isto é, onde há a treva do erro e o vício da vontade. O Divino Mestre prometeu, entretanto, recompensa aos que forem fiéis e arrostarem com as consequências deste tão urgente, necessário e grave apostolado: “Quem observar e ensinar , será considerado grande no Reino dos Céus” (Mt 5,19). Em alusão a essa passagem, encontramos na Suma Teológica a associação do apóstolo de doutrina aos mártires e às virgens, em relação a uma glória particular que lhe está reservada no Paraíso Celeste. Por isso vemos no testamento do Ressuscitado um mandamento peremptório, mas também uma herança inestimável.

Referências

  1. SIQUEIRA, A. A. Filosofia da Educação. Rio de Janeiro: Vozes, 1948. p. 255.
  2. PIO XI. Divini Illius Magistri. Roma, 1929.
  3. (cf Clemente de Alexandria. O Pedagogo. Cap. IV)
  4. SIQUEIRA. op. cit. p. 255.
  5. Ibid. p. 256
  6. Ibid. p. 257s.
  7. DUFOUR, L. Vocabulario de Teologia Biblica. Barcelona: Herder, 2009. p. 255.
  8. LEÃO XIII. Aeterni Patris. Roma, 1879. Art. 1.
  9. PAULO VI. Alocução. 9. VII. 1974
  10. CODIGO DE DIREITO CANONICO (Livro VIII)
  11. CONCÍLIO VATICANO II. Gravissimum Educationis. Roma, 1965. Art. 8.
  12. SANTO TOMAS DE AQUINO. Suma Teológica. (Supl. 96, 5-7)
Images by jcomp, mindandi, wirestock in freepik.com