quarta-feira, 1 de janeiro de 2020.

A palavra educação deriva do latim ex-ducere, que significa, etimologicamente, “trazer para fora”, isto é, atualizar as potencialidades do indivíduo. Ou ainda, do mesmo latim, educare, no sentido de criar, nutrir, acompanhar. A paideia grega – da qual deriva a palavra pedagogia –, a partir da noção de “conduzir a criança” (paidós, agein) compendia a melhor definição de educação, que inclusive será herdada e trabalhada pelos próprios romanos e depois pelos cristãos. A paidéia refere-se a formação do homem através de um tipo perfeito e para isso se faz necessário a transmissão do patrimônio cultural adquirido, mas também o trabalho intelectual a partir deste.

O abade Renè Betheèm definirá assim a educação: “é fazer que alguém se desentranhe de si mesmo; e fazer duma criança um homem, dum homem um cristão, dum cristão um santo, um eleito” . É evidente que tanto a definição que os gregos, quanto, posteriormente, os cristãos deram a educação, passou pela reflexão acerca de suas causas. Ora, a causa é tudo aquilo que contribui para a produção de qualquer coisa.

Segundo Aristóteles as causas dividem-se em quatro espécies: material, formal, eficiente e final. Para o estagirita o estudo das causas forma o objetivo principal das ciências. A escolástica enriqueceu o modelo aristotélico, sendo que São Tomás de Aquino não apenas afirma que as causas são quatro, mas inclusive demonstra que devem ser quatro, diz: “Entre as causas é vigente a seguinte ordem: a matéria é perfeicionada pela forma, a forma pelo agente e o agente pelo fim” .

A causa final é a mais importante, porque embora “última na execução, ela é a primeira na intenção do agente” . Além do que “o caráter fundamental de nossas atividades é a finalidade” . O ideal é o fim. E a própria constituição do homem diz respeito ao fim: a inteligência busca a verdade e a vontade o bem. E ambas, verdade e bem coincidem absolutamente com Deus. Ora o fim da educação é proporcionar o alcance deste fim, logo a causa final da educação é Deus e sua glória, O qual pode ser contemplado através de Suas obras e seus mistérios. Muito baixo, portanto, o fim de uma educação que fosse apenas o conhecimento, a profissão, os bens materiais, e ainda a transformação deste mundo.

A causa eficiente vem logo após e subdivide-se em principal e auxiliar ou primária e secundária. “É a causa da causalidade, da matéria como da forma. Porquanto, com sua ação, torna a matéria susceptível de receber a forma, e faz com que a forma atue na matéria” . A causa eficiente é o “princípio ativo do movimento, na passagem do não-ser para o ser, da potência para o ato. (...) é o intelecto agente do educando, que produz os hábitos da ciência no intelecto possível, onde eles são conservados” . Em outras palavras podemos dizer que é a capacidade de alcançar a sabedoria. Não de forma automática e nem sem auxílio.

É quando desponta a causa eficiente secundária ou auxiliar que se identifica com o mestre. O mestre enquanto age exteriormente ao educando, ensina-o conteúdos, mas inclusive aprender a estudar. A este respeito diz São Tomás: “Deve se considerar que na espécie humana a prole não necessita só da nutrição quanto ao corpo, como nos outros animais, mas também da instrução quanto à alma. Com efeito, os outros animais tem naturalmente suas artes, pelas quais podem cuidar de si, mas o homem vive de razão, que necessita da experiência de um longo tempo para chegar à prudência; donde, é necessário que os filhos sejam instruídos pelos pais já experimentados. Nem são capazes dessa instrução os apenas gerados, mas após um longo tempo, e, sobretudo, quando chegam aos anos da discrição” . O homem necessita ser ensinado. O professor, portanto, auxilia o interior, isto é, o agente intelectível.

Enquanto a causa formal é aquela que faz cada coisa ser o que é, isto é, a forma da coisa, por oposição à matéria a causa material é a própria matéria de que são constituídos os seres corpóreos, por oposição à forma . A causa formal e a causa material não podem ser, elas sozinhas, explicação suficiente do movimento. A estas duas primeiras causas devem-se acrescentar necessariamente a causa eficiente. (...) Para que a potência passe ao ato é necessário outro ser em ato; e para todo movimento é necessária uma causa eficiente. (...) Para existir movimento é sempre necessário a existência de um agente externo que lhe seja a causa (...) esse agente é o que se chama causa eficiente . A existência da causa eficiente exige a existência de uma causa final, pois na natureza todos os agentes movem em direção a um fim, quer conheçam, quer não o conheçam.

A causa material aplicada a educação considera o aluno em si mesmo: corpo e alma; em relação aos demais e no estado no qual se encontra, isto é, de queda e de redenção. Esta é a visão católica acerca do aluno. “Em suas faculdades e disposições, há de receber os hábitos que o orientem para conhecer e agir, segundo os princípios que aprende” . Desta concepção se desdobra a preocupação com a intervenção educativa. Corpo e alma denotam uma dimensão física e outra espiritual, isto é, a inteligência e a vontade – que precisam ser formadas inclusive no ordenamento interior das paixões, assim como no conhecimento correto e necessário, e na saúde física, bem como na vida social. Além do que é imprescindível que o aluno seja visto a luz do estado no qual se encontra, de queda, isto é, inclinado para o mal e necessitado do auxílio da graça de Deus.

A causa formal “especifica e determina, distingue e faz viver. Comunica à matéria a sua atualidade, na obtenção do composto, mercê da moção da causa eficiente, movida à ação pelo amor ao fim” . Ela trata das disciplinas e dos métodos. A causa formal na educação é complexa e deve levar em conta o aluno e sua vocação intelectual, assim como o vasto patrimônio cultural da humanidade. A especialização não deve desprezar a cultura geral, assim como a generalidade deve ter sua hierarquia de valores, isto é, saber o que deve “ignorar sabiamente”. É aqui que se faz a seleção dos métodos, conforme a idade e a realidade dos alunos, assim como das leituras; e se constitui a ordem das disciplinas. Sumariamente falando, tais considerações englobadas num conjunto de fatores vão determinar o sucesso ou o fracasso da educação.

Há um modelo que tenha realizado esta educação? Cada filósofo da educação ou da educação oriunda de determinado sistema filosófico propôs o seu ideal realizado – Aristóteles o seu zoon politikon; Rousseau ou ser humano em estado de natureza; Paulo Freire o militante político; o tecnicismo, o tecnólogo ou burocrata altamente especializado; e assim sucessivamente, ideais estes realizados ou não. Após um brevíssimo esboço das causas da educação, se pergunta, qual o ideal da educação católica ou seu modelo realizado. Esse modelo não é outro que Nosso Senhor Jesus Cristo: verdadeiro Deus e verdadeiro homem.

Antes de tudo é modelo de Mestre, por suas palavras e obras: é o Divino Pedagogo . Mas é, sobretudo, modelo plenamente realizado. Antes de tudo como indivíduo: no seu corpo e sentidos, perfeitamente saudáveis; na sua perfeição exterior, bela; na alma e na inteligência, assim como na vontade, esclarecida e ordenada; nas paixões e emoções, perfeitamente ordenadas.

Ainda há que se observar sua pertença à comunidade humana, antes de tudo familiar, em perfeita obediência; social, submetido às condições do seu tempo; no trato com os homens, de um equilíbrio e serenidade jamais vistos; e submissão às condições de vida, no tocante a resignação, ao trabalho, e ao próprio ordenamento social e religioso. Este modelo, é, portanto, “inesgotável de aspectos e inexaurível de recursos, para a reta e digna educação de todos os homens” .

Assim sendo, devemos concluir que apesar da importância do aluno, pois para ele é edificado todo esse sistema filosófico-educacional, todavia não cabe ao aluno, em qualquer sob qualquer que seja acepção, ser posto ao centro da educação. O referencial perfeito da educação, e por isso seu centro, é Nosso Senhor Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, e não o homem em si mesmo, ainda que esse mesmo homem seja o objeto da ação educativa. Jesus é modelo de Mestre e modelo perfeito realizado do ideal educacional mais alto. Além do que é o mesmo que oferece a graça que é determinante na educação do homem, de todo homem.

Basta olhar os sistemas filosóficos que aboliram Deus e a Religião. O desastre da descida se faz ver: tirou-se Deus, tirou-se a Religião, tirou-se a noção de pecado e redenção; não tardou em ser negada a realidade espiritual da alma, caiu-se no psicologismo e no materialismo; e uma vez negada natureza espiritual do homem no que ela tem de mais específico a pergunta que deve ser feita é a seguinte: o que se tornou o aluno?

Referências

  1. BETHEÈM, Renè. Catecismo da Educação. São Paulo: Castela Editorial, 2019. Art. 1.
  2. ARISTÓTELES apud. MONDIN, B. Dizionário del pensiero di Santo Tommaso. 2ª ed. Bologna: Studio Domenicano, 2000. p. 567.
  3. SANTO TOMÁS DE AQUINO. De Principiis Naturae.
  4. SIQUEIRA, A. A. Filosofia da Educação. Rio de Janeiro: Vozes, 1948. p. 127.
  5. SANTO TOMÁS DE AQUINO. apud. SIQUEIRA. op. cit. p. 175.
  6. Ibid. p. 177.
  7. CG. III. c. 122.
  8. HUXLEY, Aldous L. Filosofia Perene. São Paulo: Cultrix, 2018. p. 74.
  9. Ibid. p. 75.
  10. Ibid. p. 78.
  11. SIQUEIRA. op. cit. p. 262.
  12. Ibid. p. 368.
  13. cf São Clemente de Alexandria.
  14. SIQUEIRA. op. cit. p. 428.
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