sábado, 1 de julho de 2017.

Embora os primeiros cristãos não tenham logo organizado um sistema educacional, como mais tarde se verá na Idade Média, não há dúvidas de que a educação sempre ocupou lugar privilegiado na fé cristã . Antes de tudo porque o ensino foi um mandato expresso de Jesus Ressuscitado: “Ide e ensinai” (Mt 28,19-20a). Depois de que a educação sempre esteve integrada as obras de caridade e misericórdia, cujo exemplo excelente darão, mais tarde, os mosteiros . É a partir dos mosteiros que se delineará o ideal educativo cristão no decorrer dos séculos e de onde surgirão as escolas catedrais e palacianas. Estas escolas estão na raiz das escolas que conhecemos hoje .

A Idade Média é uma sociedade organizada hierarquicamente e cujos fundamentos são oriundos da fé e a moral cristã. Cada categoria de pessoas ou estamento tinha obrigações específicas. Sumariamente, ao povo, por exemplo, cabia os impostos e dízimos; aos nobres o governo e a defesa – eram estes que numa guerra iminente tinham obrigação de sustenta-la e defender as populações sob seu domínio; e, por fim, o clero, responsável pela saúde e pela educação – não é simples fruto do acaso que hospitais e universidades recebam o legado fundacional do período medieval e da prática da Igreja .

Assim sendo a criança do período medieval vai à escola, em geral, da paróquia ou do mosteiro vizinho. A obra educacional é tornada obrigatória pelo III Concílio de Latrão em 1179 – de modo que em alguns países tradicionais é ainda possível se ver ao lado da igreja paroquial uma escola. Obrigação que será mantida e confirmada através da Reforma empreendida pelo Concílio de Trento . Por isso no tardo século XVIII, podemos entender porque o Cura D’Ars, dentre as providencias que toma na reanimação da paróquia e no cuidado das almas, é fundar uma escola próxima da igreja paroquial .

Em muitos casos a educação era gratuita, principalmente para os pobres. Os ricos deviam pagar. E a preferência, em razão da caridade, davam, por exemplo, os monges aos filhos dos pobres. De tal modo que isso vai gerar uma querela com o Imperador Carlos Magno que dentre as reformas que empreende na cristandade será a fundação da escola palaciana , a fim de dar atenção também aos filhos da nobreza.

Aos pobres ou aos ricos, gratuita ou não, a educação tem um valor, começando pelo salário digno para os professores que fazem do nobre ofício de ensinar uma opção de vida, portanto precisam de recursos para o devido sustento . Depois de que a estrutura física, as acomodações dos alunos e mesmo o material didático, realidades afrontadas também na Idade Média, tudo tem seu custo que de alguma forma ou por alguém precisa ser subsidiado. No período medieval já vimos que o era ou pelos dízimos que recolhia a Igreja, ou pelo sistema de autossubsistência ou arrecadação dos mosteiros, ou pelo tesouro da realeza.

No Código de Direito Canônico atual (1983) continua vinculante o dever da educação católica da parte dos pais e dos pastores (Cân. 794 §§ 1-2). Os fiéis de modo geral devem participar e contribuir com a missão dos pais e da Igreja em educar as jovens gerações (cf Cân. 796). E a participação e o sustento, segundo a lei da Igreja, não se dá apenas no nível moral, mas também financeiro: “Os fiéis fomentem as escolas católicas, cooperando na medida das suas forças para a fundação e manutenção das mesmas” (Cân. 800 § 2).

A lei da Igreja encontra raiz mais profunda no mandato de Nosso Senhor (Direito Divino), depois de que, no modo como este mandato foi sendo realizado no decorrer da História (Direito Eclesiástico). Os cânones acima citados são ressonância disto e do que deliberou o Concílio Vaticano II atualizando tudo isto da Declaração Gravissimum Educationis (28.X.1965) – Sobre a Educação Cristã. Especialmente com essas palavras: “O Sagrado Concílio (...) exorta os filhos da Igreja a que colaborem generosamente em todo o campo da educação, sobretudo com a intenção de que se possam estender o mais depressa possível a todos e em toda parte os justos benefícios da educação e da instrução” .

A Sagrada Congregação para a Educação Católica destacando mais uma vez a necessidade do apoio e sustento da escola católica por parte da comunidade dos fiéis assim diz: “A colaboração responsável para atuar o projeto educativo comum é sentida como dever de consciência por todos os membros da comunidade (...) e é exercida segundo as funções e os deveres próprios de cada um. (...) Procedendo assim, a Escola Católica faz um “autentico apostolado”. Trabalhar neste “significa, portanto, cumprir um dever eclesial insubstituível e urgente” .

Em preparação para o Congresso Mundial sobre a Educação Católica o mesmo dicastério elaborou o Instrumentum Laboris , que dentre as propostas de reflexões traz esta acerca do desafio e da carência dos meios e de recursos: “As escolas não subsidiadas pelo Estado conhecem dificuldades financeiras crescentes para garantir o serviço aos mais pobres num momento marcado por uma profunda crise econômica (...) É claro que se impõe a adoção de uma pedagogia diversificada, endereçada a todos. Mas esta opção precisa de recursos financeiros, que viabilizem a sua realização, e de recursos humanos (...) Um dos desafios será continuar a motivar e a encorajar os voluntários no seu dom incondicionado” (Educar hoje e amanhã, uma paixão que se renova. 2014).

O texto acima citado levanta alguns temas importantes a respeito da manutenção da educação católica. Primeiramente, para além dos auxílios materiais dos fiéis e outras gerações de recursos, os subsídios por parte do Estado . A legislação brasileira neste caso não é de tudo negativa a escola confessional , é possível, portanto através de projetos adquirir determinados subsídios. E isto não fere o princípio da laicidade , pois este não nega o ensino confessional. Outro que a Escola Católica colabora diretamente com o Estado ao proporcionar uma educação de qualidade aos seus cidadãos. Todavia, a escola católica deve prezar também pela autonomia administrativa, seja pela morosidade da execução de determinadas leis, seja pelas dificuldades, questionamentos e debates que vão se interpondo no caminho em relação aos subsídios estatais.

Outro tema importante que aborda o Instrumentum é o do voluntariado. Antes a educação católica era maciçamente desenvolvida e sustentada por pessoas religiosas, de sua parte consagradas pelo voto de pobreza, o que atenuava em muito as despesas de determinadas escolas. A realidade hoje é bem diferente, a escola católica precisa contar com o apoio dos leigos, e em alguns casos, dado alto custo da instituição, é imprescindível poder contar com o voluntariado, isto em termos legais, porque traduzindo para o contexto eclesiástico, o voluntariado assume as características de um autêntico apostolado, cujas raízes são o compromisso batismal de cada cristão.

O apostolado educacional antes de tudo deve estar convicto de que “a ausência da Escola Católica constituiria uma perda imensa para a civilização, para o homem e para os seus destinos naturais e sobrenaturais” . Podemos olhar ao redor e constatar isto? Por outro lado, todo começo é modesto e ao mesmo tempo consistente. E deve ter igualmente esta meta: “Promover um ambiente “humanamente e espiritualmente rico, mesmo se materialmente modesto” .

Este ambiente modesto, todavia, é regulado por leis e regimentos específicos para a educação no Brasil que devem ser acatados de modo ao instituto poder funcionar legalmente. Assim sendo a escola que pretendemos deverá iniciar com o mínimo necessário, a saber: sala de aula, ambiente administrativo, espaço para atividades físicas, banheiros, sala de leitura, etc. Além de todo mobiliário e materiais necessários: carteiras, lousas, mesas, cadeiras, arquivos, material didático, etc. Atualmente há uma equipe cuidando de tudo que é necessário com relação às instalações físicas e afins.

A título de informação, no Brasil cada aluno do ensino fundamental, “custa” minimamente aos cofres públicos cerca de R$2.875,00 por ano – segundo dados do Ministério da Educação . Destarte a discrepância entre o total do investimento público em educação e a distribuição per capta em relação a outros países , é um fato que nem mesmo a educação pública é gratuita, ela tem um custo, que sai dos cofres do Estado, que por sua vez é mantido com a arrecadação dos impostos .

Referências

  1. GHAUTIER. C.; TARDIF. M. a Pedagogia. Teorias e práticas da Antiguidade aos nossos dias. Petrópolis: Vozes, 2013. p. 57-63. CAMBI. F. História da Pedagogia. São Paulo: Unesp, 199. p. 121-130.
  2. CAMBI. F. Op. cit. p. 130-132. GHAUTIER. C.; TARDIF. M. Op. cit. p. 59.
  3. Cf GHAUTIER. C.; TARDIF. M. Op. cit. p. 72.
  4. Cf HUIZINGA. J. O Outono da Idade Média. São Paulo: Cosacnaify, 2010. p. 85-95.
  5. Cf WOODS Jr. T. E. Como a Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental. São Paulo: Quadrante, 2008. p. 42-62; 159-176.
  6. CAMELOT. P. Th. Et all. I Concili Ecumenici. Brescia: Queriniana, 2001. p. 118-120.
  7. CAMBI. F. Op. cit. p. 255-263. ROPS. D. A História da Igreja de Cristo. Vol. V. São Paulo: Quadrante, 2014. p. 63-66. Uma síntese sobre o tema encontra-se em CARVALHO. J. A Contra-Reforma e a Educação. Cap. VIII. In http://www.joaquimdecarvalho.org/artigos/artigo/201-Capitulo-VIII-A-Contra-Reforma-e-a-Educacao.-A-companhia-de-Jesus-e-o-Ensino-Preparatorio (acesso em 07/06/2017).
  8. TROCHU. F. O Cura D’Ars. 1959. p. 175-188.
  9. CAMBI. F. Op. cit. p. 159.
  10. ROPS. D. Op. cit. Vol. II. P. 427-430.
  11. O III Concílio de Latrão, além da obrigatoriedade das escolas, legislou também sobre a justa remuneração do professor e a gratuidade do ensino. “...deve reservar um benefício para a subsistência de um mestre, a fim de que possa ensinar gratuitamente aos clérigos e aos alunos pobres. Com efeito, a Igreja de Deus ‘é solícita em não afastar os pobres, que não podem contar com as reservas dos próprios pais, da possibilidade de estudar e progredir”. CAMELOT. P. Th. Et all. Op. cit. p. 118.
  12. N. 1. Cf SÃO JOÃO XXIII. Encíclica Mater et Magistra. nn.225-234.
  13. A Escola Católica, nn. 61.63.
  14. In http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/ccatheduc/documents/rc_con_ ccatheduc doc_20140407_educare-oggi-e-domani_po.html (Acesso em 08/06/2017).
  15. Há diversos documentos da Igreja que abordam esta temática. PIO XI. Encíclica Divini Illius Magistri. Apud DENZIGER. H. Enchiridion Symbolorum. Ed. Bilingue sulla 40ª Edizione. Bologna: EDB, 2009. nn. 3694-96. VATICANO II. Declaração Gravissimum Educationis, n. 8. São JOÃO PAULO II. Exortação Apostólica Familiaris Consortio, n. 40. SCEC. A Escola Católica, n. 23. Ibid. A Escola Católica no limiar do Terceiro Milênio, n. 17. Ibid. Educar hoje e amanhã, uma paixão que se renova. Instrumentum Laboris. Dos desafios de ordem jurídica.
  16. BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal. Art. 213.
  17. PONTIFÍCIO CONSELHO “JUSTIÇA E PAZ”. Compêndio da Doutrina Social da Igreja. nn. 571-572.
  18. Paulo VI. 9.VII.1974. Apud. A Escola Católica, n. 15
  19. Dimensão Religiosa da Educação na Escola Católica, n. 28
  20. In http://www.cnm.org.br/comunicacao/noticias/estimativa-do-fundeb-para-2017-e-publicada-no-diario-oficial (Acesso em 08/06/2017).
  21. In http://download.inep.gov.br/acoes_internacionais/estatisticas_educacionais/ocde/ education_at_a_glance /eag2015_panorama_educacao.pdf (Acesso em 09/06/2017).
  22. BRASIL. Constituição (1988). Op. cit. art. 212.
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